terça-feira, 2 de novembro de 2010

Farpas

Dediquei-me, durante o fim-de-semana passado, a remexer em alguns livros da minha colecção até que parei na colecção "As Farpas Completas", de Ramalho Ortigão (edição Círculo de Leitores). E não demorou muito a constatar que o Portugal do final do século XIX é o mesmo Portugal em que actualmente vivemos. Apesar de todas as mudanças ocorridas, continuamos, enquanto povo, na mesma. O excerto que se segue, é exemplo disso:

«O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já não se crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta a cada dia. Vivemos todos ao acaso. […] O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretárias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce… O comércio definha. A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.

[…]

De resto a ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. […] A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do País. Apenas a devoção perturba o silêncio da opinião, com padres-nossos maquinais.

Não é uma existência, é uma expiação.»

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